terça-feira, 30 de abril de 2013

40 - Em nome de Cristo (Au nom du Christ) – Costa do Marfim (1993)



Direção: Roger Gnoan M´Bala
Numa pequena aldeia marfinense, vive um criador de porcos, desprezado por todos. Num belo dia, ele bebe demais e tem a visão de um Deus-criança, que o elege para salvar seu povo. Ele passa então a ser Magloire 1º, primo de Cristo, e usa sua eloqüência para impressionar a imaginação das pessoas e fundar uma seita.

Dando uma colher de chá, dá para deixar passar o amadorismo visível no filme. Interpretação e direção péssimas. Algumas cenas parecem ter sido feitas por colegiais. Isso sem falar na baixa qualidade técnica das imagens. Mas, enfim, o filme foi feito há 20 anos e por um país com baixa tradição cinematográfica.
Desconsiderando toda essa parte, dá para absorver o conteúdo. A representação de um profeta e seus seguidores é milenar e ainda atual. Seja na Costa do Marfim ou no Brasil, vestindo trajes rústicos ou de terno e gravata, há muito em comum nas religiões que dependem de líderes que garantem ser enviados por Deus, prometem mundos e fundos e atraem uma legião de pessoas cegas pelo poder de convencimento.
Em algumas cenas, parece que estamos no Brasil do século XXI (ou na Idade Média, o que dá quase no mesmo).
- Que povo somos nós? Em nossa história, basta que qualquer um apareça e nos conte qualquer historia para que o sigamos como ovelhas! Amanhã, estaremos vazios de toda nossa substância. Não há morte pior para um povo do que a morte espiritual!
- Meu irmão, vou lhe dizer... Estamos agonizando!
- Você e seus deuses covardes que agonizam!!! Onde estavam eles quando nos submetiam ao chicote e à humilhação negreira e colonial? Eu quero uma religião que devolva a razão aos loucos e a visão aos cegos! Uma religião que ponha fim ao sofrimento e à miséria!
- Uma religião que liberte.
- A quem? E o quê?
Abra seus olhos!


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segunda-feira, 29 de abril de 2013

39 - Incêndios (Incendies) – Canadá (2010)



Direção: Denis Villeneuve
Antes de morrer, uma mãe faz um último desejo ao casal de filhos, os irmãos gêmeos Simon e Jeanne: eles devem reencontrar o pai, que há muito tempo imaginavam morto. Para tanto eles seguem rumo ao oriente médio, numa jornada que também lhes servirá como uma busca às próprias raízes sempre cercadas sob um véu de mistério.

Não achei nem tão bom quanto falaram, nem tão ruim quanto eu julguei de início.
Continuo achando as cenas muito previsíveis. Não a história em si, mas as seqüencias. Muitas delas dá para saber o que acontecerá logo de cara. Tudo muito clichê, com soluções fáceis. A trilha sonora também não ajuda muito e algumas cenas, se tivessem sido mais bem trabalhadas (como a do ônibus), teria mais emoção.
Já o final, tão elogiado e “surpreendente” também não me animou. Não me surpreendeu, justamente por não ser original – existe um filme muito melhor que tem o final similar. E aí, a segunda vez não é tão impactante quanto na primeira.
De qualquer forma, com a esmagadora maioria elogiando esse filme, passei a acreditar que talvez eu é que não tivesse inspirado no dia, daí uma opinião tão ranzinza.


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quinta-feira, 25 de abril de 2013

38 - O grande ditador (The great dictator) – Estados Unidos (1940)



Direção: Charles Chaplin
Chaplin faz dois personagens: Adenoyd Hynkel, um ditador alemão muito parecido com Hitler; e um barbeiro judeu quase sósia do ditador. A coincidência faz os dois serem confundidos. O filme é principalmente uma paródia sobre Hitler e o nazismo, mas ataca também Mussolini e o fascismo. Com inteligência, Chaplin reveza o humor com tristes imagens de um gueto aterrorizado por tropas inimigas.

"Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Desejamos viver para a felicidade do próximo, não para seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros?
Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.
A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos cépticos; nossa inteligência, empedernidos. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais que de inteligência, de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A natureza dessas coisas é um apelo à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal.
Neste mesmo instante, minha voz chega a milhares de pessoas, milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes.
Aos que me podem ouvir eu digo: não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós é o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram retornará ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais que vos desprezam,que vos escravizam, que ditam os vossos atos, vossas idéias, vossos sentimentos! Que vos tratam como gado humano, e vos utilizam como bucha de canhão. Não vos entregueis a esses desnaturados. Esses homens com mentes e almas de máquina!
Não sois máquina! Homens é que sois!
E com o amor da humanidade em vossas almas!
Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar...
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade!
Em São Lucas está escrito: ''o Reino de Deus está dentro do homem.'' Não de um só homem ou de um grupo de homens, mas dos homens todos!
Vós, o povo, tendes o poder, o poder de criar máquinas, de criar felicidade!
Tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa.
Portanto, em nome da democracia, usemos desse poder, unamo-nos todos nós.
Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice. É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder.
Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos todos para cumprir estas promessas. Lutemos para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência.
Lutemos por um mundo de razão, em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós.
Soldados! Em nome da democracia, unamo-nos!
Hannah... estás me ouvindo?
Onde te encontrares, levanta os olhos!
O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam!
Estamos saindo da treva para a luz!
Vamos entrando num mundo novo, um mundo melhor, em que os homens
estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade.
Ergue os olhos Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar.
Voa para o arco-íris, para a luz da esperança, para o futuro, o futuro glorioso que te pertence, que pertence a mim, a todos nós!
Ergue os olhos Hannah!
Hannah, ouviste?
Ouçam..."


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segunda-feira, 22 de abril de 2013

37 - Moonrise Kingdom (Moonrise Kingdom) – Estados Unidos (2012)



Direção: Wes Anderson
Na Nova Inglaterra dos anos 1960, um menino e uma menina - ambos escoteiros - se apaixonam e resolvem fugir. A população da cidade, sob o comando do escoteiro mestre, então organiza uma busca pelos dois, e o lugar acaba virando de cabeça para baixo.

O amor nos tempos do pragmatismo e dos diálogos secos.
No mundo sem fantasia, sem espaço para oscilações sentimentais e onde os sonhos e as aventuras são abortadas desde criança.
Wes Anderson dá vida a uma casa de bonecas, liga os elementos de uma orquestra sinfônica e deposita sua esperança em Moonrise Kingdom. Ainda que o pragmatismo quebre todos os encantos, ainda resistirá um pedaço de praia pronto para ser desbravado por aqueles que não desistiram de sonhar.
Wes Anderson, cada vez mais excêntrico. Pelo visto, ele também não desistiu de fantasiar enquanto dirige minuciosamente cada cena. A minúcia necessária para não quebrar a sua frágil casa de bonecas, nem errar a nota da canção.


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quarta-feira, 17 de abril de 2013

35 - Osama (Osama) – Afeganistão (2003)



Direção: Siddiq Barmak
Mãe oprimida pelo regime Talibã no Afeganistão muda a aparência de sua filha para que ela se pareça com um garoto e possa trabalhar para sustentar a família.

Por fazer parte de um discurso ocidental anti-Talibã que ganhou força após o “11 de Setembro dos Estados Unidos”, fica difícil saber até onde Osama é uma representação fiel sobre a sociedade afegã e a situação das mulheres. No filme elas são oprimidas, proibidas de trabalhar, de exibir seus corpos e de atuar politicamente, além de serem tratadas como mercadorias.

Se realmente é assim que funciona pelas bandas de lá, eu não duvido. Se aqui no Brasil tem deputado, eleito por mais de 200 mil pessoas, que acha que a mulher não deveria ter o mesmo protagonismo que os homens, pois isso colocaria em risco a família e estimularia a homossexualidade, imagine no Afeganistão.

Infelizmente, é isso que dá quando dogmas religiosas precedem o Estado de Direito; quando o poder público é contaminado por instituições religiosas, corrompendo sua laicidade; e quando líderes religiosos ocupam o Estado e barram direitos que deveriam ser universais.

Espero que esse panorama não dure muito no... Afeganistão.



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sábado, 13 de abril de 2013

34 - A Separação (Jodaeiye Nader az Simin) – Irã (2011)



Direção: Asghar Farhadi
Casal enfrenta dilema na hora de escolher onde viver. A esposa quer se mudar para o exterior para que a filha tenha mais oportunidades e o marido deseja fica no país e cuidar do pai que tem Alzheimer. O conflito acaba virando divórcio e a mulher decide sair do país com a filha do casal.

Como diria Hermes & Renato: merdas acontecem!
Acontecem o tempo todo. São pequenos detalhes, mas que podem gerar impactos desastrosos e irreversíveis. O diretor Iñárritu bem sabe disso e o retrata muito bem em suas obras. São coisas que não deveriam acontecer, mas acontecem. E posteriormente vem o julgamento. Acidente? Negligência? De quem é a culpa? Cavando bem, dá pra responsabilizar alguém.
Essa sede de justiça é natural na nossa sociedade. De um lado vivemos em um suposto Estado de Direito, onde a responsabilidade perante a lei é quase sagrada. De outro, temos a espetacularização midiática que transforma qualquer um em “bom” ou “mal”, “culpado” ou “inocente”. Sentenciar considerando esses opostos é fácil. Difícil é julgar a subjetividade que está entre eles.
Julgamento! Essa parece ser a palavra-chave dos filmes do diretor Ashgar Farhadi. Em Procurando Elly o mote da história é quando uma merda acontece. Daí, o sentimento aparentemente inevitável de buscar um responsável por aquilo. É quando os personagens brigam entre si, revelam pequenas mentiras ou omissão de verdade que acaba gerando a desconfiança, um vai e vem para se chegar a um culpado. Mas realmente é preciso ser impiedoso? Ou é tão difícil assim admitir que merdas acontecem e pronto!? Isso Farhadi deixa a critério dos espectadores e de seus próprios personagens.
Já em A Separação a fórmula usada é muito semelhante, mas o julgamento está muito mais caracterizado. O filme começa em um tribunal. E vira e mexe, lá estão os personagens novamente na frente de um juiz. Durante o começo, meio e fim, esse espaço está presente. Afinal de contas, estamos julgando o tempo inteiro. Parece um prazer instintivo esse de julgar, de ver quem está com a razão, de dar nosso pitaco. É quase impossível ser tão distante e imparcial. Na nossa sociedade, o ato de julgar é um poder cada vez mais estimulado. Vai desde o reality show que assistimos e temos o poder de votar em quem queremos eliminar e quem merece ficar, até um processo criminal, onde sequer acompanhamos o julgamento, mas já sentenciamos: “sim, foi ele que matou a filha; é político? Então é claro que roubou; bandido bom é bandido morto”.
Vamos aos extremos. E os filmes de Ashgar Farhadi nos mostram que nem tudo é tão maniqueísta assim. De fora, é cômodo dizer “ele é o culpado”. E talvez até seja. Mas quando se compreende a complexidade que há por dentro, tudo fica relativizado. Mas a Justiça e nossa sede de justiça (ou seria de vingança?) não quer saber dos pormenores. Como o próprio personagem do filme diz, ao justificar sua mentira diante do juiz, “a lei não pondera”. Ela não quer analisar a subjetividade humana nas suas ações. Ela não quer saber se merdas acontecem ou não. Ela quer sentenciar de forma objetiva e achar um culpado. Porque se houve crime, alguém tem que pagar.
Isso me lembrou uma foto que vi recentemente circulando nas redes sociais. É uma fotografia tirada durante o massacre do Carandiru. Na foto está uma pilha de presos mortos, sobre um mar de sangue. Na legenda, algo que mais ou menos dizia “Essa foto mostra a ineficiência da polícia. Caberia pelo menos mais 15 vagabundos naquele corredor ali”. É uma associação aparentemente natural: bandido – vagabundo – merece morrer. Assim, na lata, sem piedade. Um julgamento curto e grosso, sem presunção de inocência, sem direito à vida, sem análise processual. Sem se quer parar para pensar em quantos ali estavam injustamente presos, aguardando processo ou sentenciados por não ter condições de pagar um bom advogado; quantos ali fizeram uma merda igual ou pior às que estamos sujeitos a fazer?
Porque, sim, estamos sujeitos a fazer merdas. Daquelas que a gente se arrepende e torce para que tudo seja apenas um pesadelo e no abrir dos olhos nada disso tenha acontecido.
A Separação é iraniano, mas ao mesmo tempo universal. As coisas que acontecem nos filmes de Asghar podem acontecer com qualquer um, seja no Irã ou no Brasil. Porque o que está em jogo são os aspectos humanos, os atos, consequências, erros, acertos, mentiras, medos, equívocos, arrependimentos, negligências e decisões comuns a todos os seres humanos. O julgamento, portanto, parece ser inevitável. Mas difícil é conseguir achar um vilão cruel ou um inocente perfeito.
Palmas para Asghar, por sua sensibilidade em conseguir desenvolver uma história com tamanha naturalidade. E por fazer universal algo que é apenas um recorte.


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quinta-feira, 11 de abril de 2013

33 - Casamento na noite branca (Brúðguminn) – Islândia (2008)



Direção: Baltasar Kormákur
Jon, um professor universitário, resolve casar-se novamente. Mas na véspera de seu casamento, terá que enfrentar dolorosas lembranças de sua ex-mulher, além de agüentar as imprudências de seus amigos e a resistência da sogra.

Islândia, um lugar que nunca anoitece.
E em algum pedaço de terra islandês, Jon está prestes a se casar novamente.
Más recordações, bebedeira, campo de golfe, um piano, dinheiro e dúvidas permeiam a véspera do casório. Um filme leve, apesar de pesado. Uma gracinha aqui e outra ali, além da própria irregularidade do filme quebram o que poderia ser mais dramático. O que de certa forma ficou até bom.
Ele começa um pouco confuso e termina ruim. Mas, o miolo se salva. A bela paisagem e os amigos ajudam.

PS – Encontrei também a tradução do título “Casamento da noite branca”, além da versão em inglês “White Night Wedding”.


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terça-feira, 9 de abril de 2013

32 - A paixão de Joana D´Arc (La passion de Jeanne D´Arc) – França (1928)



Direção: Carl Theodor Dreyer
O roteiro é baseado nos documentos históricos do julgamento de Joana e reconhecido mundialmente como um marco na história do cinema.

França, século XV. Uma crise social afetava os franceses, fazendo crescer os olhos dos vizinhos ingleses. Em 1337 uma disputa entre esses dois países se iniciou, a famosa “Guerra dos 100 anos”.
Em 1429, a jovem Joana D´Arc parte para o Castelo de Chinon e é recebida pelo rei francês Carlos VII. Ao convencê-lo de que Deus a elegeu para libertar a França, Joana sai de lá como a comandante geral do exército francês. Em sua empreitada, seguiu para o norte, onde conseguiu expulsar os britânicos daquelas terras.
No entanto, um ano depois de assumir as tropas, Joana foi traída por nobres franceses, que a entregaram para os ingleses. Lá, ela morreu queimada sob a acusação de bruxaria. Ironicamente, a mesma religiosidade usada para assumir o exército foi usada contra ela para legitimar o seu assassinato. Realmente, não era fácil ser mulher naquela época!
De nada disso A paixão de Joana D´Arc fala. O filme de Carl Theodor Dreyer se apega aos momentos finais da heroína, seu julgamento, sua condenação e, sobretudo, sua resistência em não negar a fé de ter sido escolhida por Deus para ajudar os franceses na guerra.
O filme é um clássico, muito idolatrado. Além do primor técnico há uma áurea que envolve a sua realização. Feito em 1927, a obra foi censurada antes de sua estréia e os originais queimados. Foi quando em 1981 uma cópia foi descoberta num armário de uma instituição mental na Noruega. Restaurado em 1985, o filme pôde ser finalmente exibido.
Fontes: Brasil Escola e créditos iniciais do filme


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sexta-feira, 5 de abril de 2013

31 - O som ao redor (idem) – Brasil (2012)



Direção: Kleber Mendonça Filho
A vida numa rua de classe-média na zona sul do Recife toma um rumo inesperado após a chegada de uma milícia que oferece a paz de espírito da segurança particular. A presença desses homens traz tranqulidade para alguns, e tensão para outros, numa comunidade que parece temer muita coisa. Enquanto isso, Bia, casada e mãe de duas crianças, precisa achar uma maneira de lidar com os latidos constantes do cão de seu vizinho. Uma crônica brasileira, uma reflexão sobre história, violência e barulho.

O som ao redor é um tipo de filme que você já vai ver com bons olhos, depois de ler isso e isso. Deveria ser visto no cinema. Não vi. Uma pena.
Aí ele começa. E nada decepciona.
É uma obra para brasileiro se orgulhar e para aspirantes a cineasta se inspirarem. Um novo cinema, sem o peso de ter que se romper com padrões estéticos, inventar uma nova fórmula ou agradar cineclubes.
Um filme moderno, que utiliza linguagens e referências contemporâneas. Sem o exagero que muitos jovens cineastas têm usado, resultando em algo excessivamente pop e forçado. E sem o saudosismo e clichês que outros tantos usam, que não conseguem se libertar do passado e ousar colocar os dois pés no presente.
O som ao redor possui uma maturidade até surpreendente. Ratifica a identidade que o cinema pernambucano há alguns anos vem criando, tal como os filmes gaúchos assim o fizeram a partir, sobretudo, do final da década de 1990, impulsionados pela Casa de Cinema de Porto Alegre. Tão bom ouvir o sotaque, as gírias e as representações condizentes com o lugar filmado. E o filme de Kleber Mendonça Filho tem essa marca. Mas de uma forma tão natural, tão natural, que nem parece ficção.
A naturalidade das cenas e dos personagens é tão grande, que a sensação é de que tudo foi filmado no improviso, em uma única e irreversível filmagem. As seqüências também respeitam o tempo de cada coisa, como quando os seguranças vão pela primeira vez à casa de seu Francisco e esperam na cozinha para ser recebido. Os personagens esperam. O espectador também. Os personagens pensam “bora logo” e se incomodam com a demora. O espectador também.
Reproduzir no espectador o que pensa e sente o personagem em determinada cena não é coisa fácil, sendo digno de se tirar o chapéu. Outra cena que talvez resuma a “pegada” do filme e corrobora com essa minha impressão sobre ele é a da reunião de condomínio. Em um determinado momento o morador gringo pergunta para o síndico “e quanto ficaria”? Pronto. Essa cena traduz tudo. O morador pergunta. O síndico não entende o que ele quis dizer. Há um silêncio provocado pela falha na comunicação. A câmera espera. O morador refaz a pergunta. O síndico entende e responde. Uma cena simples, boba, que passa despercebida, mas que simboliza toda a naturalidade do filme e que alimenta a tese de que o diretor reuniu os atores e falou “Bem, é uma reunião de condomínio e a pauta é essa. Vão improvisando, enquanto eu vou filmando”. Qual técnica utilizada por Kleber, eu não sei, preferi não pesquisar antes de escrever esse texto. Mas que deu certo, deu.
Os detalhes cotidianos também foram captados com extrema sensibilidade. O PM que compra um cd pirata; o garoto que grita “joga a boooola”; o coronel que se dirige ao segurança branco e ignora o segurança negro – afinal de contas, o chefe “só pode ser” o branco.
Essa naturalidade foi essencial para não se fazer um filme caricata, tal como Domésticas, do nobre Fernando Meirelles. Sem falar no conteúdo, nas representações sociais. Daí, outra sacada. O comum é “falar” de pobres para falar de pobres. O som ao redor “fala” de ricos para falar de pobres. Porque onde tem pobre não necessariamente tem rico. Mas onde tem rico, sempre haverá pobres. Na cozinha, guardando o carro, na segurança, na portaria. E nesse universo, tão próximo da gente, tudo faz sentido. E as coisas simplesmente vão acontecendo. Sem maniqueísmo, sem a tradicional “crítica social”. Como em Short Cuts. Só que “melhor”. Porque é nosso. Não porque foi feito aqui. Mas, porque foi feito com nossos vizinhos, nosso porteiro, com o cachorro da casa ao lado. E com nós mesmos.


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